26 de agosto de 2012

medsjal II

ai, vida
cada dia que passa é uma pena perdida
cada hora que avança uma pressa desmedida
cada minuto que acaba uma passada em caída

meu deus, lembrança
cada dia que acaba queima a esperança
cada hora que passa pesa a herança
cada minuto que avança adormece a criança

e os sonhos, os sonhos
cada dia que avança acordam enfadonhos
cada hora que acaba levantam-se muros medonhos
cada minuto que passa desvanecem-se tristonhos

como o amor
(que como, como e se derrete cá dentro em fervor)
cada caída da hora é nos meus olhos vapor
cada herança do dia, simplesmente dor
cada tristeza de um minuto 

calma, alma
que estás em queda
nas descidas aceleras pois sabes que são de pedra

22 de agosto de 2012

à Professora Luísa e ao erro

(há uns aninhos também)

Adorava quando a Professora Luísa apagava o meu caderno. A sensação desse momento fazia-me acreditar que o mundo era assim. Cometia o erro pela idade, por distracção como sempre foi; por vontade e preguiça porque nunca o deixou de ser, e ela, alta mas nunca altiva, consciente, paciente, ciente do turbilhão que me assaltava a cabeça (até hoje), aproximava-se, pegava na borracha verde que ainda hoje lhe sinto o cheiro, mão esquerda (cuidada, unhas vermelhas, muito ouro) no caderno, e mão direita certeira, confiante, dourado tilintante. Num ápice tudo desaparecia, como que por magia. Era a nova oportunidade que se avistava, que me era dada enquanto eu, sentada direita e minúscula naquela pequena cadeira, me deixava ficar, protegida do mundo e arredores, no meu conforto de madeira perfumada e lápis de cor. Nunca deixei de olhar-lhe as mãos, enquanto ela me limpava o erro, sim, me limpava o erro, nunca deixei de agradecer também.

Há dias, hoje especialmente, em que sinto muitas saudades dela e da minha borracha.

20 de agosto de 2012

raios do sol

(anos atrás)


Os raios de sol de uma tarde de verão ainda não cansada furam o vidro baço e as minhas costas também. Sinto uma gigante náusea mas aqui de cima avista-se uma calma brisa enquanto se sopram palavras cadentes. Decadentes também. A mãe telefona, não páro. Perdi-me no pensamento mas também nunca estive encontrada. Vem-me à cabeça o *** e a minha mãe pergunta por ele: "está tudo bem", mas de facto não está. (E não sei, nem falar, nem respirar sobre isso). O sol deixa de esventrar, também porque mudei de posição. Costuma funcionar assim com as lâminas e com os homens. Ele telefonou e parei de de escrever. Foi-se tudo, fez-se sol.

15 de agosto de 2012

a-mar

Ele sabe o tamanho do universo, conhece cada estrela, trata por tu quem hoje ainda procuramos. Ele viveu o suficiente para saber o que não quer e reconhecer as vozes que o chamam. Não responde a todas. Fez do seu espírito um jardim que prometeu cuidar. Um jardim de encantamentos onde cada um chega aos cantos que merece chegar. Do seu corpo saem as ideias, os tons, a vida que mais me alimentam. (Da sua alma sai a minha.)


e mesmo assim está aqui, a meu lado.

14 de agosto de 2012

hoy

Hoje arrepiam-me as minhas roupas de viagem lavadas. Parecem-me uma ave de asas cortadas. Dá-me medo a minha mochila vazia, como um cachecol de lobo ostentado pela angústia. Hoje custa-me a vista do quarto, do terraço, da sala, da cozinha, porque são finitas, irmãs da prisão que sei que se avizinha. Não posso sequer olhar para as fotografias. Sinto-as inúteis como lareiras vazias. Hoje queria saber que não foi um sonho, utopia da filha de um filme enfadonho. Hoje escondo-me dos padrões andinos e quase que choro, fecho os olhos e vejo cada ser que conheci e adoro. O doce cheiro do pacífico não existe mais, procurei-o no correios que enviei para os meus plurais. E os amigos que fiz, tão grandes mas tão distantes, vejo-os nas inesperadas brisas cortantes. Lembram-me algumas decisões, para uns errantes, que decidi tomar quando entrava numa onda que parecia não fechar.

Mas eu sei que é aqui que devo estar. Hoje.

13 de agosto de 2012

vestido(r)

Este vestido.
Este vestido que hoje guardo,
foi outrora Vivo.

Este vestido
deu voltas, dançou,
voou comigo.

Este vestido
recebeu tanto amor,
em tantas formas que aprendi.

Este vestido,
se nele me encontrei
com ele me perdi.

Este vestido
foi lua cheia
em noites de sangue.

Este vestido
dormiu na areia
e tudo consegue.

Este vestido
deu-me o lótus, a flor-de-lis,
perfumou os caminhos.

Mas hoje adormece-me (n)as mãos, dando-se à morte nos meus carinhos.

11 de agosto de 2012

Tão longe



Portugal está tão longe. Tudo aqui me faz sentir que tudo está tão longe. Esta bolha quente de diversas cores e paisagens de gelo e sol na face. E o resto tão longe. O Atlântico, o peito da minha avó, as estórias do meu avô. Os vermelhos, azuis e verdes berrante dos tecidos fazem perceber que o cinza das lágrimas estão numa distância que não se sente já. A voz da minha mãe, as longitudes do meu pai. Longe. A fortaleza da minha tia, a ternura da minha prima. Longe. Longe os amores, longe as dores e mais que longe a sua saudade. Até a saudade… Os olhos negro-rasgado-de-sorrir afastam as gargalhadas dos amigos. Estão simplesmente longe, como os bairros, as ruas, a noite. E a música? Parece que não sei mais. Ficou em mim o fado que canto bem alto para que oiçam lá. Mas não se ouve… Longe os despertares no Algarve, o meu nome sem erros, o caminho para casa. Longe, longe! As horas, os minutos. Aqui há o sol. Tão longe as confissões das minhas amigas-irmãs e os seus abraços. O calor de acordar no meu quarto e o frio da gravidade do estado, do estado das greves, das grandes estradas, dos estrados de madeira que nos mostravam o caminho para o mar. Aqui descobri que não existem caminhos únicos, nunca, para nada! Principalmente para o mar ou para o futuro. Que longe a pressa e as roupas. Que longe os que tentaram habitar a minha vida sem sucesso. Que longe, que longe!! E que perto o amor. A sua luz, claridade no caminho. Que boas as cócegas da incerteza. Tão perto a felicidade como final e a gargalhada de sabê-la um caminho. Tão perto que oiço o coração da minha avó e conto as estórias do meu avô. Tão perto que respondo à minha mãe, sei do meu pai, descanso na minha tia, abraço a minha prima. Tão aqui que faço os meus amigos rirem à gargalhada e as minhas irmãs não deixarem nada por contar. Tão perto, tão, tão perto que quase parece que não preciso de nada mais. 

Quase.