O meu dia começou há 41 horas. Daqueles que muitos diriam que "até parecem dois". A mim parecem-me momentos e os momentos são intemporais. Talvez por isso 41h não tenham valor psicológico.
Acordei, pus-me dentro de água e planeei: "hoje não volto a casa".
Peguei em roupa para o trabalho, para o lazer e para a segunda ronda de trabalho. O meu dia tinha então 1h e eu dividia o pequeno-almoço com o meu papagaio, das poucas rotinas que tenho: não o pequeno-almoço, mas dividir o que quer que seja com o meu papagaio. Saí atrasada de casa porque não há como fazê-lo de outra maneira e apurei-me até à primeira barreira do dia: a portagem e respectiva consciência da minha conta bancária. Não estava mais habituada nem a uma, nem a outra. Fiz um rally imaginário até ao trabalho e cheguei 30min antes do tempo.
Só por prazer se deve acelerar mas nunca se deve acelerar só por prazer.
Abrandar sim.
No trabalho, que passou tão devagar que terminou rápido, apercebi-me da pobreza de espírito dos que (se) consomem e tive pena. Detesto pena. Apercebi-me também que, embora a culpa não seja deles, a cegueira e passividade, São.
Vi o quão incompreensíveis podemos ser quando Somos em demasia mas também o quão bonitos.
Beleza é totalidade, o que é perigoso.
Saí do trabalho feliz porque ia jantar com uma Amiga, que tendo-se perdido pelo caminho, me levou a ligar para Outra com uma proposta de caixas de sushi take-away e acabei num restaurante "japonês" com um Amigo a rir à gargalhada: Lembrei-me que as cartas de vinhos poderiam ser "menus" de casa de prostituição. "Porca de Murça", "Casal Garcia", "Egoísta", "Grandjó" até os mais espirituosos funcionam como a "Tia Maria"... Sim, é infinito.
Depois do restaurante iria ter com a Bea mas a Vanessa estava em apuros e nem precisou de pedir. O plano Bea fundiu-se com o plano Vanessa e acabámos as três no carro a mudar de ideias constantemente até serem horas de ir ver o Amigo com quem jantei a passar uns discos no bairro alto. O carro estava cheio de coisas dele o que significou uma sessão fotográfica que, embora sóbria, pouco parecia.
Do que mais adoro nos meus amigos, quase tanto como a suas imensas Personalidades e Almas é a loucura de me dizerem sempre que sim.
Seguiu-se uma noite daquelas com direito a tudo o que se quer e mais uma dose extra de leveza. Não dormi em casa e acordei sem dormir: passei a noite a passear por outros mundos possíveis, mas não estava cansada. Só o voltar cansa, Ir alimenta.
Tomei mais um duche quando o meu dia ia mais ou menos a meio e, uma vez mais, atrasei-me. Desta vez tive um acidente com um camião (segundo o meu coordenador nunca me ficaria por um ligeiro)... Mas o perder o dia por isto era desnecessário.
Era só um camião articulado.
O dia simplesmente continuou até ser hora de sair e nisto, quando tinha de mudar o pneu e não mudei, quando deveria ter ficado mais 1h30 e não fiquei, recebo uma mensagem de um outro Amigo: "Jack White"? Não tinha dinheiro e disse-o. A resposta foi a seguinte: "Mas já tens bilhete."
O dia ia em 43h.
Saí do trabalho, fui ter com o meu amigo que passou música no bairro alto há umas horas, fomos buscar gomas e fomos para a rádio, ele ia dar uma entrevista e perder uma aposta em directo para todo o país. E eu na fila da frente.
Saimos de lá acelerámos até casa dele onde me pus apresentável e segui para o concerto.
Já não via o meu outro Amigo há tanto tempo que não entrámos logo no Coliseu e por pouco seria tarde demais, mas desperdiçar conversa e ginginha é crime. O mundo inteiro que haviamos perdido foi ali contado em minutos.
O concerto não foi um concerto, foi uma ode à música.
Quando terminou, abracei o meu Amigo, e fui em silêncio até casa. Recebi ainda uma Amiga em apuros, a quem dei asilo.
Caí à cama em queda livre.
Até ao dia seguinte.