Era de noite. Eram três belas jovens num precipício. Tinham idade de finalmente começar a aprender com a vida e era sobre isso que conspiravam: sobre a vida, sobre o amor que ensina, sobre a lua que comanda em festas nas costas. Encontravam-se sentadas em triângulo profano e dele saiam todas as ideias que uma criança pode ter quando descobre o amor. Saiam todas as contradições que as mulheres jovens podem conter e uma dose extra. Saia também magia de maduras feiticeiras, daquela que faz cair as estrelas; e elas desejavam cada estrela que caia, tanto pelo querer em si como pelos desejos que lhes saiam pelos lábios. Era um triângulo muito poderoso: três ângulos de jovens muito sábias do coração e profundamente leigas nos homens e na matéria.
Estas jovens são diferentes, sei bem. Estas senhoras quase menores de idade beijam a lua e a lua beija de volta. As suas confissões dão músicas de acordar, nunca de embalar, e as suas mãos viram as cidades do avesso. Por isso fica impossível que todos aguentem a presença destas "belas-donas". Nem todos(as) têm no corpo um universo que sustente a grandeza de uma Mulher, e por isso estas Mulheres-flor tem algumas "pedras no caminho" mas "guardam-nas todas" e contam-nas às gargalhadas (já começaram a construir, não castelos, mas palácios). São três ângulos de beleza extrema, cada uma oposta das outras, três estórias que são história, três vibrações díspares que, ao se terem reunido num precipício, deixam o efeito borboleta um bocado confuso.
Eram flores perdidas no encontro. Era um encontro que mais parecia um reencontro. Quem via ao longe não se aproximava, ou porque se afastava como o homem foge do que importa, ou porque era apavorante para a maioria, era um visceral precipício para o vertiginoso mar. Este triângulo não o temia, aliás, pouco temem estas senhoras: Túlipa Branca teme o não-amor, Gerbera o não-saber e Papoila o temer. Todo o resto é um precipício onde elas dançam, uivam, gritam e fazem amor...
Túlipa Branca é a bela jovem que caminha onde a luz toca e não dá por isso. Todos lhe elogiam tudo e todos sabem que se ela soubesse o mundo era tão mais feliz. Ela não o "sabe, nem sonha", mas quando Túlipa dorme, o mundo abranda para olhá-la. Quando esta acorda, muitas vezes em melancolia, ela sabe que não é no espelho que se encontra a beleza mas esquece-se que no mundo, há muitos que não ligam ao espelho e abrandam para olhá-la da mesma forma ou mesmo com maior admiração. Túlipa lembra o mundo o quão extrema uma beleza de mulher pode ser e o quão violenta também. Ela é sensível como a flor que lhe deu o nome e como um animal que fere para se defender. (Uma beleza sensível destas, infelizmente, tem de se defender muitas vezes...) Ela espreita o mar sempre que pode e agradece a sua existência. Túlipa não sabe ainda que também o mar se verga e agradece de volta perante uma alma assim... Mas saberá.
Gerbera é a bela jovem que recebe o que dá e dá o que recebe. É cega no seu amor e isso é uma dádiva. Para além de um semblante que estas épocas já não conhecem, tem também uma pureza que o presente não conhece. Gerbera é de uma beleza real, quando ela for grande vai governar o mundo, por isso até lá deve aprender tudo e todos. Esta coroa em flor sabe muito, até que "nada sabe", então, mesmo quando tropeça no caminho mantêm-se na estrada, consistentemente. Às vezes acumula feridas, outras vezes pessoas que não são boas de se acumular, mas, desde que a conheço, a sua coroa tem-se erguido, juntamente com a sua paz, o que afasta muitas pedras... Ela é da cor do trigo e traz a força da terra nos dedos. Às vezes ela fala comigo e eu não oiço, porque os olhos falam também, então fico a escutar os olhos, profundos faladores do que lhe vai no corpo e na alma. Aprendo muito assim, a escutá-la. Gerbera não sabe ainda que nasceu para ser maior que os homens... Mas saberá.
Papoila é a bela jovem "pé-de-vento" (in Artur Carvalho, Avô), tanto pelo caos que instala onde passa, como pela maneira como se desloca no mundo, etérea, inalcançável, desassogada. Tentar agarrar esta flor de ar é dar-se mal com a vida: nem ela se segura. Esta jovem-turbilhão tem em si todo o caos e amor que o mundo pode ter e isso fá-la pegar no medo e seduzi-lo, todos os dias, com prazer. Ela é um despertar para a irrealidade, para o incompreensível, para nós mesmos, e por isso teme profundamente temer: o medo atrasa e ela não é pontual de natureza. No meio de todo este estado-de-sítio extra-feminino reside a Verdade, pelo menos a dela. O mundo tem acesso a este ser na sua forma mais pura e sem medos, o que para muitos é assustador. Então Papoila, para facilitar, só deixa entrar quem traz o Universo no peito, o resto fica à porta, espreita pela janela e ilude-se. Papoila não sabe ainda se no meio disto tudo, o mundo a ama de volta... Mas saberá.
Era um abismo de beleza, aquele precipício. De lá saiam danças pagãs, confissões, gargalhadas, feitiços, gritos, estórias do além, estórias do aquém, beijos para a lua que já se deitava para as ouvir melhor... Mas tudo tem uma ampola do tempo que Papoila partiu, tudo tem uma consciência do efémero que Gerbera conheceu, tudo tem um final feliz que Túlipa desejou, e por isto, por aquilo, pelo tanto que estas jovens têm ainda para oferecer, o mundo chamou-as de volta em louca saudade. Elas desapareceram por entre as ervas, o precipício caiu de si mesmo abaixo.